sexta-feira, 3 de agosto de 2012

POLICIA CIVIL DE PERNAMBUCO - O DESAFIO DA REFORMA - CAPÍTULO VII


Tive a oportunidade de ler este livro todo e gostei, acho que o que está escrito retrata bem a situação da Policia Judiciária do Brasil como um todo. Usei até alguns textos selecionados deste livro em um Hábeas Corpus que solicitei a um Juiz de Cubatão para impedir que eu fosse indiciado injustamente por um crime que fui acusado por um superior. Não tive êxito no hábeas corpus, mas ao final do processo fui absolvido por INEXISTÊNCIA DE CRIME, e o chefe de polícia (delegado) que me acusou, foi humilhado na sentença, e menos de um ano depois, ele foi demitido da Polícia. Este livro fez parte de uma história da minha vida. Parabéns Jorge Zaverucha! Neste livro esta revelado várias faceta do poder de polícia que não constam nos manuais nem nos códigos de leis, nem nos regimentos internos.(Escriba Valdemir Mota de Menezes)
 


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CAPÍTULO VII
Conclusão
Uma organização, comercial ou não, é
um sistema de informações, regras de
decisão e incentivos; seu desempenho
é diferente dos desempenhos
individuais das pessoas que a
compõem. Uma organização pode ser
negligente sem que nenhum de seus
integrantes o seja. Esperar que uma
organização reflita as qualidades dos
indivíduos que trabalham para ela ou
imputar aos indivíduos as qualidades
que vemos nas organização é cometer
o que os lógicos denominam de
“falácia de composição”. A falácia não
é um erro, claro, mas pode ser
traiçoeira—Thomas C. Schelling
Baseado nos capítulos anteriores apresento sugestões para mudanças no aparelho
policial sem obedecer, necessariamente, a uma ordem de importância. Espero que as
mesmas possam contribuir para tornar a Polícia Civil uma instituição mais eficiente e com
maior credibilidade. Todavia, lembro: 1) Sempre deve haver uma meio legal de assegurar a
execução das disposições constitucionais; 2) O Estado é historicamente para a sociedade
uma referência de organização e ordem, e a Polícia é um dos braços armados do Estado.
A reforma na Polícia não é assunto meramente técnico, mas político. Trata-se de
mudança burocrática envolvendo alternância de poder entre instituições e atores políticos
pertencentes ao aparato repressivo estatal. Envolve, portanto, nova alocação de recursos,
prestação de novos e/ou melhores serviços à sociedade além de novas formas de conduta.
A necessidade de mudanças na Segurança Pública e, em particular, na Polícia Civil
é um consenso. Contudo, elas não acontecem. Ou quando ocorrem, são superficiais. Temos
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o típico problema de ação coletiva. A ação coletiva surge quando se faz necessário que dois
ou mais indivíduos se esforcem para conseguir determinado resultado. Dada esta
interdependência, problemas surgem quando o esforço (ou falta de) de um indivíduo na
obtenção de algo influencia os esforços (ou falta de) de outros indivíduos (Sandler, 1992).
O observador indaga se as mudanças não ocorrem por motivo de desleixo, incompetência,
ou porque o sistema viciado cria cumplicidades que inibem a ação do poder público? Ou
por tudo isto junto?
A crença de que o modo de atuação da Polícia Civil pode ser separado do contexto
sócio-político-econômico é o que se chama de falácia da autonomia. É impossível esperar
que a Polícia Civil seja reformada de acordo com princípios democráticos se o sistema
político não se move na mesma direção. Por isso mesmo, a maneira como a Polícia Civil
funciona é um dos indicadores da saúde da democracia do país.
Mudança de procedimentos é mais difícil do que parece. Afinal, é um problema que
afeta não apenas a Polícia Civil de Pernambuco, mas o próprio estado brasileiro. Criou-se
um Ministério da Reforma Administrativa do Estado, mas o Estado brasileiro continua
dividido em feudos que não se falam e competem por poder, tais como as delegacias e as
corporações dentro do Sistema de Segurança Pública. Faltou à reforma do Estado uma
visão estratégica de conjunto das diversas partes que compõem o Estado. “A reforma não
tinha visão do novo Estado e, por não tê-la, manteve o velho em sua essência”, lembra
Abranches (2000).
O discurso modernizante não foi capaz de evitar o alastramento da impunidade e da
ineficiência na Policia Civil, que é um dos braços armados do Estado. O desleixo que toma
conta das delegacias, a persistência da tradição de privilégios e apadrinhamento existentes
na instituição bem como a resistência policial ao aceite da implantação de padrões de
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eficiência e qualidade irão continuar gerando insatisfações na prestação de segurança à
população pernambucana. E, inclusive, ao próprio corpo policial que é hoje uma força
desmotivada, com baixa auto-estima, sem referências de qualidade e por isso mesmo com
carência de lideranças. Esta sucessão de falhas está a indicar a necessidade de mudanças
estruturais. O ideal seria uma alteração na Constituição Federal criando polícias capazes de
realizar o ciclo completo de policiamento em determinada área geográfica. As polícias,
como é praxe internacional, estariam separadas territorialmente. Por exemplo, uma faria o
policiamento em cidades acima de determinado número de habitantes e a outra em cidades
abaixo deste limite. Contudo, uma única polícia faria todas as atividades policiais em
determinado território.
Para isto, seria necessária uma emenda constitucional que implicaria na
desvinculação das PMs do controle parcial do Exército. 1 Com a eclosão da greve das PMs,
em julho de 2001, este objetivo parece cada vez mais distante.2 O ministro-chefe do
Gabinete de Segurança Institucional, General Alberto Cardoso e o ministro da Defesa, em
nome dos comandantes militares, solicitaram ao Presidente da República que fosse
conferido ao Exército o poder de polícia. Foram atendidos.
Esta transformação constitucional é condição necessária, mas não suficiente para
uma verdadeira reforma policial. Por que não aprovar uma Emenda Constitucional
alterando a situação considerada por todos como estruturalmente inviável? Afinal, desde
1 Esta nova polícia militar não estaria submetida ao Código Penal Militar (CPM) em tempo de paz. Portanto,
os ilícitos cometidos pelos seus membros seriam julgados em tribunal ordinário. Somente quando convocadas
para exercícios com o Exército ou em tempo de guerra, é que seus membros estariam sob a tutela jurídica do
CPM.
2 Em nota oficial à imprensa, o Exército sinaliza querer aumentar seu controle sobre as PMs, conforme o
trecho seguinte: “No entendimento do Exército, a atual legislação que regula o funcionamento e a
subordinação das polícias militares (PM), ao suprimir os antigos vínculos existentes com o Exército
prejudicou o tradicional entendimento e a cooperação existentes, contribuindo para dificultar a prevenção de
crises dessa natureza”.
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1988 mais de 35 Emendas Constitucionais foram aprovadas pelo Congresso e, atualmente,
há mais de 500 Projetos de Emenda Constitucional tramitando na referida Casa, ou seja,
mais de uma por dia, contando fim-de-semana e feriados.3 O Brasil está se tornando um
país de legisladores em vez de um país de leis. Portanto ainda estamos em estado de
Congresso Constituinte com um agravante: o Congresso é um corpo político-partidário com
agenda e perspectiva de curto prazo, enquanto uma Constituição deve ser feita sob uma
perspectiva de longo prazo e com preocupação mais política do que partidária.
A resposta é de cunho político e reflete as relações conservadoras na principal arena
de decisão política nacional. Conservador entendido como o grau de continuísmo dos atores
políticos que impedem mudanças institucionais.4 Como vimos, tal arranjo institucional foi
criado, pelo regime militar, para favorecer o fortalecimento da Polícia Militar. O Congresso
Nacional, todavia, não se mostra interessado em mudar tais regras. Temos um caso
emblemático de como instituições que protegem os interesses dos novos atores
(“democráticos”) e dos antigos atores (autoritários) são incapazes de realizar grandes
transformações.
O Exército receia que o fim do “ciclo partido” de policiamento leve a um
enfraquecimento da Polícia Militar. Isto poderia resultar na volta de polícias civis
uniformizadas fazendo o patrulhamento de rua e no aquartelamento das PMs, tal como
durante o período anterior a instauração do regime militar. Hoje as Polícias Militares
possuem um efetivo maior que o próprio contingente das Forcas Armadas, e são forças
auxiliares e de reserva do Exército. Sob a perspectiva da aliança civil-militar dominante no
Congresso, não há motivo para mudar o status quo. Em especial quando pesquisa do
3 Para se ter uma idéia do significado destes números, lembremos que a Constituição dos EUA teve 20
Emendas Constitucionais em 250 anos de história.
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Datafolha indica que 84% dos brasileiros querem o Exército fazendo papel de polícia no
combate à violência.5
Os governadores sabedores da impossibilidade do Congresso alterar as
competências das polícias apresentam à população uma solução enganadora: a unificação
das polícias. Enganadora, pois é inconstitucional. O ex-governador do Rio de Janeiro,
Anthony Garotinho, procurou uma saída para driblar os óbices constitucionais e juntar a
água do militarismo da Polícia Militar com o óleo judicializante da Polícia Civil. Criou uma
Delegacia Legal numa tentativa das duas instituições fazerem juntas o ciclo completo de
polícia. A Associação de Delegados do Rio de Janeiro ao saber que seus membros teriam
de vestir farda, entrou com um pedido de inconstitucionalidade da medida. O governador
de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, segue linha similar com os Núcleos Integrados de
Segurança. De integrado apenas o pomposo nome. Tanto é que nem a Polícia Civil, a
Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros entendem, com clareza, o que vem a ser tal projeto.
Enquanto as polícias continuarem a fazer o “ciclo partido” e policiais/bombeiros
militares continuarem a ser forçaa auxiliar do Exército, será difícil criar um sistema policial
mais eficiente e comprometido com a ordem democrática. Este arranjo institucional é
geneticamente deficiente.
A Polícia Civil paga um preço alto por esta situação. Foi uma instituição perdedora
com o regime militar e não conseguiu recuperar constitucionalmente os espaços perdidos
(Barbosa, 1997) Pelo contrário, a vitória dos militares estaduais foi sacramentada. A prova
é que em Pernambuco, como na maioria dos outros estados, das quatro entidades que atuam
4 Para uma visão sobre elites autoritárias vide Power (2000).
5 Folha de S. Paulo, 10 de março de 2002.
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na segurança pública, três são militares: a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros Militar e a
Casa Militar encarregada da segurança do governador e do comando da Defesa Civil.
A Polícia Civil, portanto, padece de uma debilidade exógena. Na medida em que
várias de suas atribuições foram transferidas para a Polícia Militar, ela se enfraqueceu
institucionalmente. Perdeu prestígio ante a sociedade e poder perante os governadores de
Estado. De força policial principal passou a condição secundária inclusive em número de
homens e capacidade de fogo. Os governadores premidos pela pressão da sociedade para
combater a crescente criminalidade, em vez de procurarem mudar o texto constitucional
optaram por jogar suas fichas na militarização da segurança pública. Quanto mais cresce
este processo de militarização mais se acentua a decadência da Polícia Civil.
Apresento, abaixo, algumas sugestões, sem obedecer necessariamente a uma ordem
de importância, que possam contribuir para tornar a Polícia Civil uma instituição mais
independente, responsiva, eficiente e com maior acesso ao cidadão comum, mesmo
continuando a fazer o ciclo parcial de polícia.
a) Reforma Gerencial
A desorganização policial pode ser enfrentada com uma reforma gerencial que
invista na profissionalização e na qualificação tantos dos policiais quanto da burocracia
policial. A maioria dos delegados, agentes, escrivães e peritos não passam por cursos de
especialização após entrarem na polícia. É uma força defasada em, praticamente, todas suas
instâncias.
A média mundial de policiais voltados para investigação representa 15% dos
efetivos. Em Pernambuco, o contingente da Polícia Civil é cerca de 5 000 homens.
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Portanto, quase 23% dos efetivos policiais de todo o Estado está, teoricamente, alocado na
Polícia Civil. Bem acima da média mundial. O problema, portanto, não é falta de pessoal.
Mas má alocação de recursos humanos e de procedimentos.
A primeira grande vantagem de uma reforma gerencial, tanto administrativa como
operacional, é que ela não precisa, necessariamente, de mudanças constitucionais, decretos
e resoluções. Depende de conhecimentos técnicos e de vontade política da cúpula da Polícia
e do governo do Estado. O objetivo é tornar a atividade policial mais eficiente, transparente
e com mais acountabilidade. Isto poderia ser iniciado com uma racionalização do sistema
de informações, padronização de processos e implementação de programa de qualidade
total que, por sinal, é uma ferramenta gerencial não-ideológica. Afinal, trata-se de definir
indicadores de desempenho e qualidade para o setor.
A Polícia Civil padece tanto de um controle externo quanto interno. A importância
de sistemas de controle reside no fato de serem mecanismos criados para circunscrever
discricionariedade. Políticas devem pautar-se por metas claras e definidas a serem
alcançadas, por instrumentos de medidas confiáveis para avaliação desses objetivos e pelos
meios disponíveis para sua realização de forma democrática.
Há na Polícia Civil uma ausência de controle efetivo e de sistemas de avaliação
adequados sobre a alocação e o emprego de recursos humanos, financeiros e materiais. Tal
falta de controle impede que se alcance níveis mínimos razoáveis de qualidade no
desempenho da atividade policial. Conjugam-se principalmente dois fatores: a) carência de
instrumentos técnicos válidos que meçam a eficiência da atividade policial e b) inexistência
de equilíbrios internos que impeçam abusos desta mesma atividade
Como não há metas a serem alcançadas, não se pode cobrar prazos e planos
de ação não podem ser desdobrados. Sem fixação de serviços a serem executados, é
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impossível haver uma cobrança sobre o comportamento do policial. Sem objetivos não há
porque ir atrás de soluções. Sem avaliação, monitorar passa a ser um verbo inócuo. Fechase
o círculo da inoperância que é, por sinal, cômodo, pois quase ninguém é
responsabilizado a não ser esta entidade abstrata denominada de sistema.Como lembra
Soares (2000), “não há política ou planejamento sem diagnóstico e não há diagnóstico sem
informações qualificadas e consistentes”.
Poder-se-ia, por exemplo, definir um objetivo de gestão (diminuir a criminalidade) e
um meio (aumentar a captura de criminosos). A partir daí seriam definidas metas e planos
de ação, bem como o orçamento necessário para alocar os recursos para os programas
necessários à diminuição da criminalidade.
Desenvolvimentos tecnológicos recentes além da absorção de fundamentos do
gerenciamento organizacional moderno, tem gerado um rol de medidas que podem ser
implementadas na Polícia. A primeira medida é uma reviravolta no foco estratégico da
Polícia. Troca-se sua prioridade organizacional e operacional reativa (disposição de agir
após o delito pelo acionamento do centro operacional, investigação apenas após o registro
de delitos, ênfase repressiva em prender, ou matar, delinquentes durante o cometimento de
crimes), pelo foco na prevenção inteligente que diagnostica e age sobre as causas, fatores,
circunstancias, condições e pessoas vinculadas ao cometimento de crimes e desordens em
determinada área. Para isto se implantaria um sistema de informações gerenciais, para
registro e processamento informatizado sobre a atividade criminal local para ajustar a
precisão de táticas operacionais preventivas.
É preciso que se construa uma matriz de indicadores de eficiência, que seja a base
para o controle da qualidade na alocação e emprego de recursos. A maior parte das
organizações policiais é incapaz de demonstrar quanto trabalho seus funcionários estão
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fazendo. Para isto seriam criados gráficos de produtividade que seriam o principal
indicador para futuras promoções. Crua e literalmente, a Polícia Civil não sabe o que seu
efetivo anda fazendo. A falta de controle chega a ponto de policiais pagarem sua escala de
serviço a outro colega para poderem fazer uma atividade particular.
Neste ambiente, em que ninguém cobra nada de ninguém impera a cultura do
“ninguém-é-responsável-por-nada-e-quem-quiser-vá-se queixar-ao-bispo”. Há, portanto,
um incentivo institucional para que o policial entre em ação depois que surge a vítima em
vez de encontrar soluções para evitar que o crime aconteça. Deste modo, a Polícia vale-se
de alguns policiais abnegados que exercem sua função por vocação. Ou dos que mostram
resultados, não importando os meios, em troca de benefícios privados ou de disputa de
poder interno.
A Polícia Civil é gerida amadoristicamente porque seus funcionários, em especial o
delegado, não recebem na sua formação treinamento para administração pública. Nem o
Diretor de Polícia Civil nem o Delegado recebe treinamento ou capacitação sobre gestão
financeira. Poucos são os delegados que conseguem administrar a contento sua própria
delegacia. Não há preocupação em se pensar tanto o custo quanto a produtividade por
unidade policial. Via de regra, não se pergunta na Polícia Civil: Quanto custa manter uma
delegacia? Qual o custo de hora/homem de uma ação de investigação? Quanto custa, em
média, um inquérito policial? Qual o custo para o contribuinte de operações de
investigação/mês? (Castilho, 2001).
Ressalve-se que em tese cabe ao delegado várias funções: 1) administrar a delegacia
(compra de material, pessoal, 6 água, luz, telefone,7 cano estourado, higiene,8 gasolina para
6 Em geral, as delegacias não possuem estafetas. Quem sai para entregar documentos do dia a dia, termina
sendo o agente que assim, deixa de investigar.
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viatura9 etc); 2) comandar a operação policial e 3) elaborar a confecção do inquérito. Muito
mais produtivo seria que a parte administrativa ficasse sob a responsabilidade de uma outra
pessoa, deixando que o delegado se concentrasse em suas atividades profissionais.
Deste modo, o delegado não teria mais desculpa para as queixas de seus
subordinados. Os agentes reclamam que são eles quem realmente fazem a investigação,
pois o delegado pouco aparece na delegacia. Segundo os escrivães, a ausência do delegado
faz com que eles se responsabilizem de fato desde da portaria ao relatório de inquérito.
É comum se chegar numa delegacia e se encontrar apenas dois tipos de policiais: o
escrivão e o carcereiro. Um porque está fazendo o inquérito e o outro para tomar conta do
preso.
De nada adianta um delegado assumir delegacias desorganizadas, implementar
melhorias, pois quando é remanejado tudo pode ser desfeito. A desorganização funcional
torna-se mais patética no caso das Delegacias Especializadas. Como o nome sugere, dirigir
uma delegacia desta natureza exige conhecimentos específicos. Contudo, delegados
especiais fazem rodízios pelas delegacias sem ter “especialidade” na delegacia para o qual
foi alocado. E o mais grave, quando é deslocado de uma delegacia para outra, consegue,
muitas vezes, levar sua própria equipe (“cria”) de agentes.
É comum a denúncia de existência de milhares de inquéritos parados com anos de
espera. Verdadeira fonte de corrupção, pois advogados subornam policiais para que os
7 Dentre setembro de 1998 e setembro de 1999, 90% das 200 delegacias do interior pernambucano
funcionaram sem telefones que foram cortados pela Telpe por falta de pagamento. “Polícia Civil quer
intensificar segurança na Região Metropolitana”, Diário de Pernambuco, 14 de janeiro de 1999.
8 Algumas carceragens são verdadeiras pocilgas. Exalam um odor insuportável já que a fossa é na própria
cela. Numa visita a uma dessas carceragens fomos aconselhados a não entrar no corredor que separa as celas
pelo risco dos presos jogarem fezes em nós. Este descaso, além de afetar a interação entre preso e agentes
contamina o relacionamento entre policiais e o público que vem prestar queixa.
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inquéritos de seu interesse passem à frente ou fiquem onde estão. No caso de
desarquivamento, é consumido um precioso tempo do pessoal administrativo. A força
policial está desmotivada e os policiais perderam as referências de qualidade. Como a
chefia da Polícia Civil não enfatiza o aprimoramento dos programas de qualidade, ela perde
gradativamente a liderança sobre os seus subordinados resultando numa sucessão de
denúncias de ineficiência contra a Polícia Civil. A perda de legitimidade da Polícia Civil
dificulta a sua reestruturação.
Conseguir uma informação sobre o paradeiro do inquérito é um transtorno. É
preciso valer-se de informações de policiais ou de pessoas ligadas ao caso em tela. Com a
informatização dos inquéritos, seria possível saber quais inquéritos foram instaurados e
quais foram concluídos. Destes, qual inquérito encontra-se no Ministério Público, se o réu
foi pronunciado, se houve pedido de novas diligências sobre o caso, ou se foi solicitado o
arquivamento, e em qual vara do Judiciário se encontra.
A forma de gestão e a tecnologia de informação10 também poderiam trabalhar em
cima de resultados como suporte ao atendimento da demanda pela resolução dos crimes.
Isto proporcionaria a confecção de uma metodologia padronizada de medição de resultados
por delegacias (delegados, agentes e escrivães). Segundo Dicival Gonçalves da Silva,
Presidente da União de Escrivães de Policia do Estado de Pernambuco (UNEPPE), há uma
média de quatro inquéritos por mês por delegacia enviada à Justiça. Isto é pífio.11 Desleixo,
9 O abastecimento de combustível para os veículos da Polícia Civil na região metropolitana é feito de um
modo centralizado. Isto faz com que um veículo da delegacia de Piedade na região sul tenha que deslocar a
central de abastencimento em Santo Amaro. Algo em torno de 50 kms (ida e volta).
10 As delegacias não possuem computador para identificar o suspeito. Tem que ligar para a Delegacia de
Capturas para saber se há mandado de prisão contra o mesmo.
11 Entrevista com Jorge Zaverucha e José Edson Barbosa, 23 de março de 2001.
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impunidade, aversão ao racionalismo, apadrinhamento e tradição de privilégios conspiram
contra a implantação de padrões de eficiência e qualidade nos serviços da administração
pública.
Cada delegacia deveria colocar num banco de dados o número de delegados, de
agentes, escrivães, escala de férias, remanejamentos, presos temporários, ocorrências
recebidas diariamente, o número de diligências efetuadas, o número de inquéritos enviados
à Justiça etc. Inexplicavelmente, muitos delegados são incapazes de dizer o que seus
subordinados estão fazendo naquele momento. Saíram para fazer uma diligência, para
tomar um cafezinho ou para fazer investigação extrafuncional?
Afora isto, também estaria neste banco de dados o montante financeiro recebido
pela delegacia para gerir suas atividades: reparos, compra de material de expediente, verbas
de diligência, conta de luz, água etc. Se cada delegacia informatizasse os seus
procedimentos padrão (contratos e gastos efetuados), a fiscalização passaria a ser por
amostragem. Método mais eficaz e econômico.
A partir da organização desses bancos de dados, o próximo passo seria monitorar os
resultados das delegacias. Assim como a eficácia de uma política de saúde não pode ser
medida pelo número de consultas pagas, mas pelos indicadores de doenças e mortalidade, a
eficácia de uma política de segurança não deve ser medida apenas pelos números de
inquéritos instaurados, mas pelo declínio na atividade criminal. A ênfase do controle passa
a ser sobre os resultados em vez de processos.
Estes dados seriam públicos, e os gestores ficaram atados a esta transparência.12
12 Os recursos da reserva de diligência da Secretaria de Segurança Pública não estavam submetidos a qualquer
controle institucional. Salvo engano tal procedimento continua sendo praticado na nova Secretaria de Defesa
Social.
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Vide a disputa entre a Secretaria de Defesa Social e o Sinpol sobre o número de homicídios
ocorridos na região metropolitana do Recife. Ou entre a Direção da Polícia Civil e o
Ministério da Justiça sobre o numero de seqüestros em Pernambuco. Sem informação não
pode haver ação. As delegacias não se comunicam entre si. Isto demonstra existir falta de
transparência administrativa e falta de intercâmbio de informações sobre o fato delituoso. É
preciso existir um fluxo de informações único e que haja fonte de informação com dados
amplos sobre a violência para a geração de outras políticas públicas. O peso da burocracia
quando do registro da denúncia até o início do inquérito precisa ser alterado.13 Uma semana
em média é o tempo de duração para que a máquina policial comece a efetivamente entrar
em ação.
Ressalte-se a parcela de culpa do Governo Federal. Cada polícia deveria ser
obrigada a fornecer informações sobre sua estrutura ao Ministério da Justiça. Este poderia
centralizar as informações sobre desempenho das polícias. Hoje, ninguém está habilitado a
dizer qual é a pior ou a melhor Polícia Civil brasileira.
b) Compatibilização territorial entre a Polícia Civil, Justiça e Ministério Público
A divisão territorial do estado de Pernambuco para fim específico de atuação
policial civil é, nos aspectos fundamentais, a mesma adotada pelo Regulamento Geral da
extinta Secretaria de Segurança Pública (RG/SSP-PE), aprovado pelo Decreto Estadual no.
20.581, de 25 de maio de 1998. Esta divisão servia à filosofia do extinto órgão que possuía
visão da atuação policial bem diferente da que hoje se deveria instalar.
13 Como atestou o ex-chefe da Polícia Civil, Manuel Carneiro: “queremos acabar com a burocracia das
ocorrências que tem de passar pelas diretorias para chegar às mãos da equipe policial. Perde-se muito tempo
nisso enquanto os assassinos fogem” (Soares, 1999).
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Conforme dispunha o Art. 44, § 1o do RG/SSP-PE,14 a competência de cada
delegacia de polícia é definida por uma área territorial delimitada—a circunscrição
policial—e pela atribuição investigatória de tipos criminais especificados,15 critérios que,
por decorrência implicam na limitação das atribuições e poder do delegado de polícia,
enquanto seu titular designado.16
De acordo com o primeiro critério, a delegacia de polícia (e o delegado, por
decorrência) só tem competência para investigar os crimes que ocorrem no território que
for delimitado como sua circunscrição,17 dentro de cujos limites a autoridade policial e os
agentes da autoridade podem transitar livremente e realizar toda diligência necessária. Fora
de sua própria circunscrição policial, o Delegado de Polícia não tem autorização legal para
agir com a mesma liberdade, necessitando comunicar sua presença ao delegado titular da
circunscrição que não é a sua e formalizar pedido sobre o que pretende ali, no interesse do
que investiga (Art. 22 do CPP).
Analisando pelo critério territorial temos hoje em dia: a) delegacias municipais, cuja
competência se estende por toda a área do município onde se localiza; b) delegacias
distritais, cuja competência é limitada a um dos distritos policiais em que tenha sido
dividido o município. Por este critério, o Município da Cidade do Recife é subdividido em
distritos policiais e as delegacias identificadas por número de série ordinal, seguido da
14 “O exercício da competência de investigação das Delegacias de Policia é delimitado pelo território de sua
circunscrição e/ou pela especialização da matéria criminal que lhe for atribuída”.
15 A competência, no sentido completo, tem varias conotações pelas quais ela é firmada na prátíca: local;
natureza do fato criminoso; pessoa do agente criminal; conexão. Para o fim de determinar a forma de
ocupação territorial da Policia Civil, foi levada em conta apenas as duas primeiras conotações.. Por exemplo:
caso magistrado ou membro do Ministério Público cometa um crime, em razão da pessoa e não do agente
criminal, a competência do inquérito passa a ser do Tribunal de Justiça e da Procuradoria de Justiça,
respectivamente, excluindo-se a autoridade policial da condução da investigação.
16 Sem designação para exercício de função de polícia judiciária em delegacia de policia ou outro órgão que
tenha competência apuratória, nenhum delegado de policia pode proceder a qualquer investigação, exceto se
designado especialmente, valendo a designação exclusivamente para o caso especificado em portaria.
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denominação Delegacia Distrital da Capital. Nos demais municípios da Região
Metropolitana do Recife, subdivididos em distritos metropolitanos, as delegacias também
são identificadas da mesma forma numérica, com a denominação Delegacia Metropolitana
de Polícia. Há municípios no interior18 que também são subdivididos em distritos policiais
e possuem mais de uma delegacia distrital de polícia (Caruaru, Petrolina, por exemplo). Só
as delegacias municipais, distritais e metropolitanas têm subunidades territoriais, ou seja,
Postos Policiais e/ou Comissariados de Polícia.
Pelo segundo critério, competência pela atribuição investigatória de tipos criminais
especificados, a delegacia de polícia pode ter ou não seu campo investigatório limitado a
tipos penais especificados. No primeiro caso, a delegacia tem competência investigatória
universal (todos os tipos penais); no segundo, restrita. Neste último caso, estão as
denominadas delegacias especializadas,19 que só podem investigar os tipos penais
especificados na sua competência, em determinado território. Sua competência, portanto, é
restrita. Exemplo: as quatro Delegacias de Homicídio20 previstas para apurar apenas os
homicídios dolosos de autoria não imediatamente conhecida; as três Delegacias de
Repressão ao Roubo (em vez da única Delegacia de Roubos e Furtos) competentes para
apurar os crimes de roubo em geral.21
17 Art. 4o. do CPP: “A policia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas
respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
18 Interior, no entendimento do espaço territorial ocupado pela Policia Civil, é toda a extensão territorial para
além da Região Metropolitana do Recife.
19 A adjetivação especializada dada a essas delegacias é utilizada em simetria com o jargão jurídico
empregado no âmbito da Justiça. Esta adjetiva de especializada a Vara Criminal de competência restrita
especificada. Ex: a Vara do Tribunal do Júri é uma vara criminal especializada no julgamento dos crimes
dolosos contra a vida.
20 Não foram instaladas todas as Delegacias de Homicídios previstas no Regulamento, e a Polícia Civil
continua com apenas uma Delegacia de Homicídios (Art. 38, inciso I, alínea “a”, itens 04 a 07 e Art. 44, § 2o,
inciso I, alínea “b”, todos do RG/SSP-PE).
21 Art. 36, inciso I, alínea “b”, ítens 05.b, 05.c, e Art. 44, inciso II, alínea “c”, item 1 do RG/SSP-PE.
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Por esses critérios, nenhuma delegacia tem competência sobre o inteiro território do
estado e, por decorrência, as atribuições do delegado de polícia, que é limitada pela
competência da delegacia de que é titular, também não se estendem a todo o estado. Estes
limites são pontos importantes de controle da atividade policial, a que deveriam ser dados
maior atenção e valor, fazendo configurar infração grave o seu desrespeito. É antiética e
ilegal qualquer ato de invasão territorial de uma circunscrição policial, mas não há previsão
estatutária de punição para isso.22
O que foi assim fixado no RG/SSP-PE não significa simplesmente uma forma da
Policia Civil organizar-se territorialmente. É, como já foi dito, o estabelecimento de pontos
importantes de controle da atividade policial. E, modo de limitar os poderes de cada
delegado de polícia. Isso foi colocado para dissipar a idéia que autoridades policiais de
delegacias especializadas tivessem competência estendida por todo o estado.
Pela interpretação desse entendimento que se procurou abolir, mas ainda resiste,
diligências policiais podem ser realizadas em qualquer parte do estado, sem necessidade de
expedição da carta precatória policial de que fala o Art. 22 do Código de Processo Penal.
Do mesmo, é necessária sua expedição toda vez que se necessitar realizar diligência em
circunscrição policial diversa daquela que é a competente para apurar o fato criminoso.23
Para se entender a gravidade desse entendimento saiba-se que, com ele, muitas diligências
policiais são feitas sem mandados judiciais ou policiais de condução coercitiva para
localizar e conduzir pessoas (suspeitos, familiares de suspeitos, testemunhas) para depor na
especializada, no Recife. É o entendimento que induz a essa conduta avessa ao razoável e a
22 A limitação territorial também alcança as delegacias especializadas. Significa que a atuação do conjunto de
delegacias especializadas não vai além da Região Metropolitana do Recife, que é o limite de atuação da
Diretoria Executiva de Polícia Especializada, órgão que as subordina.
152
prática de ilegalidades, sobretudo e mais grave, a violação de direitos pessoais, cuja
garantia e proteção a polícia é obrigada a dar. Quando se trata de condução de testemunhas,
a conduta viola o direito que estas têm de prestar depoimento na localidade onde residem.24
É claro ser razoável que suspeitos ou indiciados, familiares de suspeitos
(informantes) e vítimas tenham também o mesmo direito de prestar depoimento na
circunscrição onde residem, sobretudo quando a polícia não proporciona transporte para a
volta e estadia na distante circunscrição do inquérito .25 A não ser, como acontece, nos
xadrezes. A situação mais ocorrente é aquela em que agentes de polícia de especializadas
vão ao interior e, quando detectados na circunscrição de destino, declararam estar a serviço
de investigação que interessa à delegacia na capital. Por camaradagem corporativa, não é
exigida a apresentação de qualquer documento que declare estar o policial a mando de
qualquer delegado de polícia e a incursão irregular não é registrada e coibida, a não ser
quando, raramente, há denúncia de irregularidade grave e a punição. Quando ocorre, é em
razão de irregularidade grave superveniente e não em virtude da invasão da circunscrição.
Deduz-se que vezes há em que incursão irregular não chega sequer ao conhecimento do
titular da circunscrição visitada.26
23 Assim dispõe o Art. 22 do CPP: “No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma
circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, no inquérito a que esteja procedendo,
ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições...”.
24 O Art. 222 do Código de Processo Penal, aplicável à conduta do Delegado de Polícia no inquérito policial,
assim determina: “A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua
residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes”.
25 Nessa situação, o CPP é claro e expresso em referência às testemunhas, mas é completamente omisso em
relação às demais categorias de depoentes (indiciado, informante, vítima). Para as circunscrições policiais
localizadas na Região Metropolitana do Recife, aplica-se o disposto no Art. 22 do CPP.
26 A aplicação desse entendimento pela Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos possibilita a ocorrência de
conflito de atribuição. O mesmo aflora no momento da apreensão de veículos em município do interior,
mesmo que o veículo tenha sido furtado/roubado no interior do estado. O delegado-chefe da Delegacia de
Roubos e Furtos de Veículos é levado a reclamar para si a atribuição de fazer a entrega do veículo ao
proprietário/seguradora, por si ou por intermédio de seus agentes deslocados ao interior para esse fim. Diga-se
de passagem, que o interesse de fazer a entrega do veículo apreendido ao proprietário é também induzido,
muitas vezes, quando o veículo furtado/roubado é segurado. Nestes casos, as companhias seguradoras adotam
153
As delegacias (municipais, distritais, metropolitanas, especializadas) subordinamse
a departamentos regionais, estes às diretorias executivas e estas à Diretoria de Polícia
Civil. Cobrindo o interior do estado, existem 12 Departamentos Regionais de Polícia,
subordinados à Diretoria Executiva de Polícia do Interior, que subordinam, no total, 175
Delegacias de Polícia (Municipais e distritais)27. Cobrindo a Região Metropolitana do
Recife, funcionam dois departamentos policiais28: o Metropolitano de Polícia, com 22
Delegacias Metropolitanas, e o de Polícia da Capital, com 15 Delegacias Distritais da
Capital, ambos subordinados à Diretoria Executiva de Polícia Metropolitana do Grande
Recife.
Para simplificar o entendimento e facilitar uma análise comparativa, pode ser dito
que, para os fins operacionais da polícia judiciária, o território do estado está, inicialmente,
dividido entre duas Diretorias-Executivas (de Polícia do Grande Recife e de Polícia do
Interior); estas Diretorias-Executivas em Departamentos (a do Interior, em doze
departamentos regionais; a do Grande Recife, em dois departamentos – um da Capital e
outro da Região Metropolitana); os Departamentos, em circunscrições policiais (Delegacias
municipais ou distritais); as circunscrições policiais, em comissariados.
Vejamos, agora, o que ocorre com a divisão territorial adotada pelo Poder
Judiciário, de que a Polícia Civil é auxiliar e, portanto, por força disso, tem o dever de
integrar suas ações. Segundo o Art. 4º do Código de Organização Judiciária do Estado de
Pernambuco (Resolução nº 10, de 28.12.1970) em vigor, “O território do Estrado divide-se,
a política de premiar os policiais da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículo com 10% do valor de cada
veículo encontrado e entregue. Essa política, indutora de corrupção, foi do conhecimento de algumas chefias
superiores, mas fingem desconhecê-la. As seguradoras pagam com cheque nominal, o que facilita uma
investigação coibitiva desta prática.
27 Inclui-se nesse total a Delegacia de Polícia do Território Estadual de Fernando de Noronha.
28 Na formulação do Regulamento Geral da antiga SSP, eram três: Metropolitano-Norte, Metropolitano-Sul e
da Capital.
154
judicialmente, em circunscrições, comarcas, termos e distritos”. Os primeiros entes da
divisão territorial abrangem os segundos; estes os terceiros; e estes, os últimos referidos. O
Ministério Público adota essa mesma forma de divisão territorial do Estado, tendo por isso
facilitada a sua atuação junto a Justiça.
Com a Justiça (e o Ministério Público), no que se refere à divisão territorial, há
correspondência formal entre as circunscrições judiciais e os departamentos regionais da
Polícia Civil; entre as comarcas e as circunscrições policiais; os distritos comarciais e os
comissariados de polícia. Não há, entretanto, na Policia Civil equivalência para os termos
de comarcas da Justiça29. Por outro lado, uma comarca pode ter mais de uma vara e mais de
um juiz, como é o caso do Município da Cidade do Recife, e não há correspondência entre
as varas judiciais e os distritos policiais, porque as varas têm jurisdição sobre toda a
comarca, enquanto o delegado distrital só tem competência sobre o seu distrito policial,
parte do município.
No aspecto concreto da divisão territorial, os municípios abrangidos pelos
departamentos regionais não são os mesmos abrangidos pelas circunscrições judiciais, no
interior. A compatibilização territorial da Polícia Civil com a Justiça propiciará, ao mesmo
tempo, uma compatibilização com o Ministério Público, pelo fato de que este adota a
mesma divisão territorial da Justiça.
O Regulamento Geral da extinta SSP, em seu Art. 147, prescrevia, textualmente:
“Em cada município do Estado haverá, pelo menos, uma Delegacia de Polícia” e o seu
parágrafo único limitava a cinqüenta o número de delegacias de base territorial (distritais e
metropolitanas) na área da Região Metropolitana do Recife. Não estabeleceu, entretanto,
155
critérios para a instalação de delegacias de polícia além do mínimo prescrito. Por falta de
adoção de critérios normatizados, foi observado, sobretudo na RMR, a inocorrência de
correspondência sistemática entre a instalação de novas delegacias distritais da capital e
metropolitanas e as áreas de maiores índices e/ou totais de ocorrências criminais. A
correspondência constatada foi a de instalação de delegacias em áreas onde existiam
comunidades mais reivindicativas, respaldadas por indicação política.
O Código de Organização Judiciária prescreve critérios para a criação de comarcas
que bem podem ser levados em conta, no que é possível aplicar à Polícia Civil. O Art. 7º do
mencionado Código assim dispõe: “Para criação de comarcas ou elevação de entrâncias,
necessário se torna que seja levada em conta a densidade de população, distância e vias de
comunicação, movimento forense de grande vulto, além de condições consistentes em
residências oficiais para o juiz de direito e promotor público, cadeia pública e prédio
destinado ao funcionamento do foro.”
Fazendo aplicação do raciocínio acima, dois elementos surgem como critérios
fundamentais para determinar a instalação de uma delegacia: a população da circunscrição
e o índice de criminalidade ou o número elevado de registro de ocorrências criminais.
Como não é isto o que acontece, Pinheiro (1989) chegou a conclusão que a ocupação
espacial da Polícia Civil está vinculada a dois aspectos básicos: 1) acompanhar o processo
das transformações sócio-econômicas e 2) responder ao crescente número de novas
organizações da sociedade civil, tais como os movimentos de base, as associações
comunitárias, os conselhos de moradores. Ele observou que postos policiais e Delegacias de
Policia foram instalados na Região Metropolitana do Recife atendendo a reivindicações da
29 Uma comarca judicial pode abranger mais de um município. Isto não ocorre na Policia Civil, para a qual
cada município corresponderá a pelo menos uma circunscrição policial. Quando uma comarca abrange mais
156
comunidade de base. Razão pela qual afirmou que “assim sendo, a segurança pública
(Polícia Civil) aparece ora como aparelho repressor/controlador da sociedade, ora como
assistencialista” (Pinheiro, 1989: 201).
Portanto, é importante submeter os órgãos de segurança pública, principalmente a
Polícia Militar e a Polícia Civil a uma mesma política de planejamento da ocupação e
controle territorial do estado, de modo a facilitar a integração desses órgãos em todos os
aspectos e a atender adequadamente e a tempo ao processo das transformações urbanas, e,
sobretudo, fazer face a evolução da criminalidade.
Na linha do planejamento objetivando a integração dos órgãos de segurança está a
necessária definição da coincidência territorial dos órgãos policiais pelos níveis de suas
funções operacionais, táticas e estratégicas (delegacias/companhias, departamentos
policiais civis/batalhões militares, diretorias regionais civis/comandos militares regionais).
A integração deverá se dar nos campos da troca de informações e da atuação desses órgãos
nos níveis estratégico, tático e operacional.
No objetivo de atender adequadamente às transformações urbanas e fazer face à
criminalidade nas localidades onde atuam, deve ser adotada a filosofia da descentralização,
tanto dos recursos material e tecnológico, quanto principalmente do processo de decisão
dos órgãos de segurança pública, para que os chefes e comandantes locais/regionais possam
dar respostas prontas ao crescimento da criminalidade. Para isso, a ocupação territorial30
deve ser planejada sob os critérios sistemáticos de correspondência da instalação dos
equipamentos de segurança com o aumento dos índices de criminalidade e da população.
de um município, um deles é a sede da comarca; o outro é termo da comarca.
30 Como se sabe que o crime guarda significativa relação com o local onde ocorre, a Polícia precisa não
apenas concentrar sua operação em determinado território juridicamente definido. Deve ir além, ou seja,
atuar no espaço territorial do crime
157
Além disso, deve ser mudado o objetivo tradicional dessa ocupação que é de
natureza militar31, para o da segurança dos indivíduos em toda a abrangência de seu
significado e a vigilância e controle da criminalidade. Enquanto persistir esta visão militar
da segurança pública não há porque fazer a Polícia Civil coincidir suas circunscrições com
as da Polícia Militar, pois a distribuição territorial adotada para este órgão é fundada na
filosofia e objetivos militares. Do mesmo modo, não se deve submeter a Polícia Militar à
distribuição territorial da Polícia Civil, porque a criação das circunscrições desta não
obedecem a critérios técnicos sistemáticos.
c) Controle Legislativo
Um efetivo controle institucional que a Assembléia Legislativa pode exercer sobre a
Polícia Civil é o orçamentário. A Secretaria de Defesa Social (SDS), todavia, não está
trabalhando para aperfeiçoar tal mecanismo. Contenta-se em deixar que o Governo exerça
apenas um controle contábil, ou seja, a mera alocação ou não de dotações sem que as
mesmas estejam necessariamente atreladas a estratégias claramente definidas. Sem este
atrelamento, o corte ou aumento de verbas passa a ser rotina administrativa, deixando de
adquirir significado político.
O que é controle civil independente? É um meio através do qual qualquer cidadão
pode dar sugestões sem nenhum temor de monitorar, investigar, revisar e julgar a conduta
policial. Através deste sistema, os civis podem se envolver e mudar as políticas e os
31 É bom lembrar que a ocupação territorial e a distribuição dos equipamentos policiais-militares no estado é
feita segundo estratégia militar, não podendo ser realizada ou modificada sem a aprovação expressa do
Exército Brasileiro. A Polícia Civil ainda pode instalar qualquer unidade policial sem necessitar de aval
militar.
158
procedimentos policiais, aproximando assim a comunidade da polícia. Há elementos que
são comuns a todos os modelos de controle civil: a responsabilização da polícia pela sua
conduta, transparência, abertura e independência do sistema de controle inclusive das
investigações e dos tribunais.
O controle da eficiência da atuação policial deve ser trasladado da exercida pelas
autoridades do Executivo, para o Legislativo e dos cidadãos. Assim, comitês consultivos de
cidadãos funcionam na Suécia e Dinamarca cuja função é de atuar permanentemente com a
polícia, provendo-a como o ponto de vista do cidadão a respeito do labor que realizam.
Aos céticos convém lembrar o êxito do programa de Orçamento Participativo em algumas
prefeituras.
Do mesmo modo, comissões especiais das Assembléias Estaduais, poderiam exigir
que as polícias estaduais, de forma sistemática, apresentassem relatórios das suas atividades
e serem submetidas as diferentes indagações dos deputados.
d) Padronização de Normas e/ou Procedimentos
Somente se o sistema de segurança pública definir padrões e procedimentos, e os
respeitar, é que as melhorias podem ser institucionalizadas. A começar pelo inquérito
policial. 32 Embora tenham várias horas aula na Academia de Polícia Civil, não existe uma
padronização sobre a confecção do inquérito. A falta de procedimentos uniformes é fonte
de manipulação do inquérito. Muitos dos inquéritos realizados só recebem a numeração das
folhas somente após a conclusão do relatório final. Peças podem ser retiradas do inquérito
por falta de controle processual. Isto se chama manipulação de resultado.
159
Faz-se mister que delegados, agentes, escrivães, peritos etc passem por um
treinamento de procedimentos de organização do ambiente de trabalho e de qualidade total.
Isto, inclusive, deveria ser oferecido aos corregedores. Não há regulamentação sobre
formas de trabalho e organização interna das delegacias. O delegado, via de regra, informa
aos superiores os inquéritos concluídos mas não os instaurados. O delegado negocia com
sua equipe horário de trabalho. Esta é uma das razões pela qual o delegado quando muda de
delegacia gosta de levar sua equipe. Isto dá margem aos mais diferentes conluios.
Não há reunião entre a equipe de plantonistas e a equipe diurna para discutir um
planejamento sobre a segurança de determinada área. Cada equipe faz seu trabalho e... vai
para casa. É comum que a maior parte das ocorrências registradas à noite fiquem anotadas
no livro de ocorrência, até a chegada, na outra noite, da equipe de plantão.
Não há procedimentos regulares de investigação e proteção da cena dos crimes.
Cada delegado investiga de acordo com suas regras. O próprio policial33 costuma violar em
vez de proteger a cena do crime, mercê da falta de profissionalismo.
Em visita a Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos, podemos constatar que a
Delegacia não possui um arquivo com fotos de delinquentes para o reconhecimento das
vítimas. Quem apresentou o referido álbum foi um determinado agente que o mantém,
provavelmente, para uso particular, ou seja, investigação extrafuncional. Não é apenas isto
que está em falta nas delegacias. Na maioria delas inexiste, algema, Código Penal e Código
de Processo Penal, arma e munição. As delegacias são tão vulneráveis que é solicitado a
32 Sobre as mudanças no inquérito policial vide o capítulo cinco.
33 Em especial o militar que é o primeiro a chegar na cena do crime.
160
Policia Militar a vigilância externa das mesmas34 em especial aquelas que possuem
carceragem e podem vir a ser vítimas de tentativas de resgate.
Custa a acreditar que uma polícia investigativa trabalhe com veículos
caracterizados,35 incluindo sirene, e tenham como uniforme um colete preto escrito “Polícia
Civil”.36 Ao contrário do similar colete preto usado pela Polícia Federal que estabelece
normas para a confecção e localização do distintivo oficial, o colete da Polícia Civil é uma
peça de vestuário sem padronização. Fica, deste modo, difícil saber se o colete preto usado
por segurança de bares ou o usado por marginal em blitz ilegal é de uso privativo ou não da
Polícia Civil.
Não há normatização de equipamentos. Há veículos de motor 1.0 (“carro popular”)
incapaz de seguir um deliquente em carro mais veloz. Quando se diz que a polícia vai
comprar armas significa que ela vai pegá-las em um depósito qualquer que o Exército
disponibilizou, ou comprá-las de alguém que as está vendendo mais barato. Por
conseguinte, irá colocar a arma na mão do policial sem relação com a eficácia do uso.
Veja-se o caso do fuzil-metralhadora AR-15. É uma arma com que o atirador apenas
razoável atinge o meio da testa de alguém a 2,5 km de distância, e sua bala é capaz de
atravessar oito pessoas perfiladas. Imagine-se um tiroteio com armas deste tipo! O
armamento para ser forte, tem de ser apropriado para o uso nas circunstancias em que será
empregado. Ou a força será contraproducente, convertendo-se em fraqueza.
34 Este é um dos motivos pelo qual a PM impede, muitas vezes, que a Polícia Civil traga um policial militar
preso para a delegacia.
35 Para prender, no final de 2001, o “Berg” considerado um dos membros da temida quadrilha de “Jones”, um
dos delegados pediu emprestado a um amigo sua caminhonete.
36 Garotinho (1988), conta que ao participar de seminário sobre segurança pública em Portugal, o diretor da
Polícia de Lisboa ao ver uma foto de policial com o colete preto e os dizeres “Polícia Civil” exclamou: “E
161
e) Fornecimento de armamento institucional e rígido controle sobre seu uso
A Polícia deveria obrigatoriamente fornecer uma arma ao policial, pois esta é
instrumento de trabalho. No entanto, a Polícia dispõe de pouquíssimas armas e parca
munição. A instituição limita-se a intermediar, quando o policial deseja, a aquisição da
arma com o fabricante. Quando é esta a opção, a aquisição é feita em folha com desconto.
Como o valor de uma arma moderna é alto, algumas associações procuram atrair o policial
para suas fileiras. Em troca da afiliação financiam a aquisição da arma desejada. Portanto,
assim que entra na Polícia, o policial já vai perdendo a lealdade para com a instituição.
O presidente do Sinpol, Henrique Leite, foi além. Confessou que a compra de armas
no câmbio negro é uma atividade comum entre os policiais. “Isso porque o calibre
permitido por lei está ultrapassado. Se formos para a rua armados de 38 não teremos
condições de capturar os bandidos, que normalmente andam com armas de calibre privativo
do Exército”, observou. 37 O policial que se arma à margem da lei é pago para manter a lei...
O mais grave para a sociedade, é que sendo as armas e munições particulares elas
não podem ser acauteladas. Isto significa que não há controle institucional sobre as
mesmas, não havendo condições de responsabilizar o policial pelo mau uso da arma. Nesta
perspectiva, a polícia se aproxima de um bando armado, pois inexiste o controle social
sobre os policiais. Obviamente, a Polícia Civil não tem nem doutrina nem regulamentação
sobre o uso de arma de fogo. Portanto, não há controle administrativo sobre o uso da arma.
O policial não sabe com clareza quando e em que medida pode, deve ou não deve
usar sua arma. Por isso mesmo, o policial não tem por obrigação preencher qualquer
vocês no Brasil, ainda contam piada de português.” Garotinho tornou-se governador do Rio de Janeiro, mas o
uso do colete, vítima de chacota, continua em vigor.
162
relatório explicando os motivos usados para o uso da arma. Este controle é importante,
porque garante que um policial só use armas quando for absolutamente necessário e que
será responsabilizado ao fazê-lo. Por exemplo, no Canadá, se um policial saca sua arma de
fogo, mesmo que não a use, deve fazer um relatório sobre os motivos do fato. No caso em
que o policial atira no cidadão e o fere, é, automaticamente, retirado da atividade-fim e
investigado pela Divisão de Assuntos Internos.
f) Primazia da Polícia Investigativa sobre a Polícia Judiciária
A Polícia Civil vem se transformando cada vez mais em uma polícia judiciária e
cada vez menos em uma polícia investigativa. É preciso que se tire da Polícia as funções
judiciárias. Há atividades de Polícia Judiciária que se entrelaçam com as de investigação.
Por exemplo: 1) Oficial de Justiça não localiza a pessoa intimada. O Juiz, então, oficia à
Polícia Civil pedido de ajuda. O policial abandona sua investigação para atender ao Juiz; 2)
Um delegado de uma especializada envia inquérito à Justiça sobre fato ocorrido, digamos,
em Camaragibe. O Juiz decide ouvir novas testemunhas. Muitas vezes o pedido é feito a
um policial que não presidiu o inquérito ou nem mesmo participou do mesmo. Tal policial
segue atrás das testemunhas sem, muitas vezes, saber por qual motivo está levando tais
pessoas ao Juiz. Tudo isto conforme o artigo 13 do Código de Processo Penal.
Ainda cabe à autoridade policial, cumprir os mandados de prisão expedidos pelas
autoridades judiciárias e representar acerca da prisão preventiva.38 O exercício deste
37 “Negociador pode ser demitido”, Diário de Pernambuco, 20 de fevereiro de 2000.
38 A Polícia Judiciária dá plantão de 24 horas, mas o mesmo não ocorre com o Judiciário. Prejudica, deste
modo a busca domiciliar que é, muitas vezes, fundamental para o sucesso de uma investigação.
163
poderes ajuda a atrofiar e desviar a polícia civil brasileira do seu objetivo principal: elucidar
os autores dos crimes. A investigação policial precisar ser mais valorizada.
Delegados são treinados mais para um trabalho de burocracia judiciária de polícia
do que para a arte de mobilizar recursos e materiais para o controle da criminalidade via
investigação.39 Grande parte dos delegados funciona mais como juízes, vestem-se de modo
similar, assumem os mesmos maneirismos, usam o jargão policial, preparam autos de
processo e pressionam para serem enquadrados nas políticas salariais do judiciário. Isto
gera disparidades salariais e ressentimentos dos agentes, escrivães e membros da polícia
científica. A corrupção prospera na desorganização, na ausência de relacionamento estável
entre grupos e padrões reconhecidos de autoridade.
A deficiência na investigativa da Polícia Civil gera um vácuo. Este vazio terminou
sendo ocupado pelo Comandante-Geral da Polícia Militar que, em 1997, criou o Serviço
Especial de Inteligência (SEI) que é um braço da 2a Seção do Estado Maior da PM.40
Policiais militares à paisana passaram a realizar investigações criminais que é tarefa
constitucional da Polícia Civil.41 A única investigação que a PM está autorizada a fazer é a
de seus próprios membros em Inquéritos Policiais Militares (IPM). O SEI terminou sendo
extinto pelo Governador Jarbas Vasconcelos, através da Portaria no. 422 de 17 de
dezembro de 2001, após denúncia do programa Fantástico de que alguns de seus membros
passaram a fazer execuções extrajudiciais.
39 O saber jurídico é, via de regra, mais valorizado pelas delegadas que pelos delegados, pelo fato delas, não
terem sido, anteriormente, agente policial.
40 Pela Constituição, somente o Governador de Estado pode mudar a estrutura da Polícia Militar.
41 “Polícia Civil critica atuação do Serviço de Inteligência”, Jornal do Commercio, 19 de dezembro de 2001.
164
A identificação dos delegados com a carreira jurídica está presente no Código de
Ética dos Delegados de Pernambuco.42 O Código estipula no art. 4o que “a profissão de
Delegado de Polícia está inserida no universo das carreiras jurídicas públicas...”. Já o
artigo 21, IV diz ser direito do Delegado de Polícia “ser remunerado de forma justa, em
equiparação com as demais carreiras jurídicas públicas com as quais, constitucionalmente,
tem direito a tratamento remuneratório isonômico”.
Durante as eleições para a presidência da Associação dos Delegados de
Pernambuco (ADEPPE), em 22 de março de 2001, um dos candidatos de oposição,o
delegado Antônio Candido Filho distribuiu um folheto onde se lia: “Somos a única carreira
jurídica reconhecida pela Constituição de 1988 que não conseguiu a sua Lei Orgânica”.
Inclusive o processo de seleção de delegados é similar ao dos juízes e promotores onde só
podem participar bacharéis em Direito. Há vários casos dos que usam a Polícia como
trampolim: passam no concurso a delegado de polícia enquanto não surge um concurso
para o Judiciário ou Ministério Público. Isto gera lacunas, nem sempre preenchidas.
O lobby da Polícia Civil conseguiu na Constituição Federal de 1988 (art. 241)
isonomia salarial entre o Delegado e Procurador do Ministério Público. Através de
filigranas jurídicas os promotores conseguiram quebrar esta isonomia provocando
ressentimento entre os delegados que se sentem injustiçados por arriscarem suas vidas, o
que não acontece com os promotores. Os promotores, por sua vez, querem controlar
externamente a polícia e por isso precisam se distanciar dos delegados.
Uma outra vitória deste lobby foi o estabelecimento da condição de bacharel em
Direito para se tornar delegado. Deste modo, o ex-Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso não poderia ser delegado pelo fato de ser sociólogo. Isto traz
42 Aprovado na Assembléia Geral Extraordinária da ADEPPE, em 02 de agosto de 1991.
165
conseqüências internas refletidas na ausência de um plano de carreira. O agente policial por
mais competente que seja não tem condições de ascender profissionalmente a não ser que
tenha que obter um diploma universitário em Ciências Jurídicas. Esta reserva de mercado
cede à realidade. Recentemente, um agente da Polícia Federal de Alagoas foi nomeado
Secretário de Segurança Pública. Depois presidiu a Comissão de Segurança Pública do
Nordeste composta de delegados, bacharéis em Direito, que dirigiam as SSPs dos estados
nordestinos.
A grade curricular do curso de formação de delegados oferecida pela Academia de
Polícia reflete a maior preocupação com os temas jurídicos, embora o delegado já tenha
passado cinco anos na faculdade de direito.43 A Academia de Polícia limita-se a promover
estes cursos. Não pesquisa novos métodos de trabalho, aperfeiçoando e especializando seus
técnicos. As aulas sobre investigação policial deixam a desejar. Basta dizer que não são
ensinados, com detalhes, norma de procedimento policial para isolar o local do crime nem o
delegado solicita coleta datiloscópica no local do crime.44 Portanto, já no nascedouro de sua
formação, o futuro delegado é treinado a dar mais ênfase a atividade de Polícia Judiciária
do que a de Polícia Investigativa. Vejamos:
SDS- Policia Civil
DRH – Academia de Polícia Civil – Curso Básico de Formação Profissional de Delegado
de Policia
Disciplinas do Núcleo Profissionalizante:
Operação policial e gerenciamento de crise—45 horas/aula
43 O orçamento da Polícia Científica é uma peça não conhecida, não lida, não anunciada. O improviso chega
a ponto do curso de delegado, perito, médico-legista, e agente de 1998, fosse realizado sem previsão
orçamentária pelo qual fosse autorizado o pagamento de professores. Resultado os professores deram aula,
não receberam e não tiveram como acionar o Estado. Como não havia previsão orçamentária, o Estado
legalmente não estava obrigado a pagar.
44 Delegado Antônio Candido de Oliveira Filho. Entrevista com Jorge Zaverucha, 23 de julho de 2001.
166
Investigação policial-----------------------------30 horas/aula
Total: 75 horas/aula
Inquérito policial (técnica de inquirição e prática cartorária)---60 horas/aula
Direito Processual Penal-----------------------------------25 horas/aula
Total: 85 horas/aula
Núcleo Comum
Armamento de Tiro------20 horas/aula
Direito da Criança e Adolescente—20 horas/aula
Entorpecentes e drogas afins---30 horas/aula
Tal viés também atinge a grade do Curso de Agentes de Polícia. Embora a tarefa de
conduzir o inquérito seja exclusiva do delegado, o curso com maior carga horária oferecida
ao agente é exatamente o de Cultura Jurídica Aplicada com 75 horas valendo 5 créditos.
Cursos como Armamento e Tiro, Gerenciamento de Crises, Investigação Policial, Técnicas
de Abordagem e Técnicas Operacionais são dados, cada um deles, em 30 horas valendo 2
créditos.45 Vide lista de disciplinas abaixo:
SDS- Policia Civil
DRH – Academia de Polícia Civil – Curso para agentes
Nomenclatura Carga Horária Créditos
Adestramento físico 30 2
Armamento e tiro 30 2
Conduta social e profissional 15 1
Crime organizado 1 30 2
Criminalística Aplicada 2 15 1
Criminologia 15 1
Cultura jurídica aplicada 75 5
Entorpecentes e drogas afins 6 15 1
Estrutura e competência da SDS 15 1
Gerenciamento de crises 2 30 2
Introdução a computação 1 15 1
Investigação policial no Estado de Direito 2 30 2
45 O presidente do Sinpol, Henrique Leite, disse que durante seu curso de agente só deu dois tiros e, fez
questão, de frisar, fora do alvo. Para Leite, as cadeiras do curso não desenvolve a capacidade do policial, a
investigação policial é ministrada de forma deficiente e os professores são, em geral, fracos. Um bom curso
exigiria investimento, mas a Polícia não quer gastar. Entrevista com Jorge Zaverucha, 22 de janeiro de 2001.
167
Língua portuguesa e redação oficial 15 1
Medicina Legal Aplicada 15 1
Noções de pratica cartorária 15 1
Papiloscopia policial aplicada 1 15 1
Planejamento Operacional 15 1
Policia comunitária 15 1
Primeiros socorros 30 2
Procedimentos básicos de inteligência 15 1
Psicologia criminal 15 1
Regime jurídico da policia civil 15 1
Relações Humanas 15 1
Sociologia criminal 15 1
Técnicas de abordagem 30 2
Técnicas operacionais 30 2
Uma novidade introduzida na grade curricular do agente, no ano de 2001, foi o
curso de prática cartorária. Segundo o ex-diretor de Polícia Civil, Manuel Carneiro, “nossa
intenção é treinar os aprovados no concurso de agente de polícia para atuarem como
escrivães. Eles teriam disciplinas extras na grade curricular e contribuiriam com o trabalho
de cartório das delegacias quando fossem chamados para assumir suas funções”.46 Em vez
de contratar novos escrivães, opta-se por um remendo: treinar o agente a ser um escrivão
temporário.
A situação em várias cidades do interior do Estado é ainda mais dramática. Em
algumas delegacias faltam agentes até mesmo para a entrega de intimações. Não seria
exagero afirmar que do Agreste para o Sertão existe muito mais a figura do Delegado do
que a instituição Polícia Civil.
g) Repensar a Corregedoria
46 “Faltam delegacias em 30 municípios”, Jornal do Commercio, 3 de setembro de 2000.
168
Teoricamente, a Corregedoria tem competência de apuração na capital e em todo
estado. No entanto, só há uma Corregedoria na capital. Com isso, os desmandos ocorridos
no interior demoram chegar à capital. Por isso mesmo, devem ser criadas novas
Corregedorias fora da capital pernambucana.
A Corregedoria não faz correição, ou seja, não verifica o andamento cartorário e dos
inquéritos, não emite diretrizes aos policiais em relação à proteção dos direitos humanos
etc. Em outras palavras, o controle interno da atividade policial. Nenhuma correição, nestes
termos, foi feita na Polícia Civil desde sua criação. Correição passou a ser sinônimo de
punir conduta inadequada do policial, deixando-se de lado a fiscalização interna do
funcionamento institucional da Polícia.
Um controle rígido por parte da Corregedoria e do Ministério Público, no sentido de
promoverem um confronto entre o número de ocorrências e os inquéritos correspondentes,
seria aconselhável. Quantos inquéritos foram iniciados? Quantos foram concluídos?
Quantos foram paralisados? Por quais motivos? Ninguém pergunta porque não se apura e
quem são os responsáveis pela prevaricação, sejam delegados, promotores, juizes ou até
aqueles que tem como obrigação prover a policia de condições materiais e humanas para
que exerça, a contento, a sua missão constitucional.
Sugere-se a criação de uma carreira própria para os órgãos corregedores das
polícias, com mandato, recursos e poderes para investigar e intervir. Hoje você é delegadocorregedor,
e amanhã pode estar trabalhando com alguém que você investigou e puniu. Isto
gera tensão no ambiente de trabalho e dificuldade no recrutamento de bons profissionais.
Mesmo com a criação de uma Corregedoria Única no Estado de Pernambuco, tais
problemas não foram sanados.
169
A indicação de corregedores deve se pautar por critérios objetivos. Deve-se garantir
mandato e inamovibilidade dos corregedores para que possam tomar decisões com
independência. Alguns policiais se recusam a trabalhar na Corregedoria por acreditarem
que suas chances de promoção são diminuídas por exercerem um papel social antipático.
São inclusive chamados por colegas como “dedo-duro”. Outros são indicações políticas que
filtram as denúncias chegadas na Corregedoria.
Temos um exemplo que vem do Rio de Janeiro. Mal concluiu a sindicância que
apurou a suspeita de falhas na atuação de policiais civis no seqüestro do ônibus 174,
ocorrido em 12 de junho de 2000, o delegado Alberto Calvano perdeu o posto que ocupava
na Corregedoria-Geral de Polícia Civil. Boletim Interno trouxe publicada a ordem de
remoção do delegado para a Superintendência de Administração e Serviços (SAS), mais
conhecida na Polícia Civil como “geladeira”(Mairán, 2001). Calvano, em agosto de 2000,
apontou o poder público como responsável pela desastrada operação policial que resultou
na morte, no Jardim Botânico, de Geisa Frimo Gonçalves e no assassinato do assaltante
Sandro do Nascimento.
Os escrivães de polícia deveriam estar lotados na Corregedoria, cabendo a mesmo a
tarefa de distribuí-los para as delegacias. Como não há quadro de lotação, a distribuição é
feita pelo delegado de acordo com suas preferências. O escrivão, deste modo, receia
contrariar o delegado com receio de algum tipo de punição. Ficando vinculado a
Corregedoria, o escrivão estaria mais protegido profissionalmente.
Creio que tais medidas poderiam inibir o corporativismo praticado pelas
Corregedorias de Polícia. O governo de Pernambuco, inspirado em diretrizes estabelecidas
pelo Governo Federal, criou uma Corregedoria Geral para as duas polícias, através da Lei
no. 11.929/2001. Contudo, alguns pontos ainda não estão institucionalmente esclarecidos,
170
podendo comprometer a idéia da Corregedoria Geral. A saber: Qual a independência do
Corregedor-Geral se ele é cargo de confiança do Secretario de Defesa Social que, por sua
vez, é cargo de confiança do Governador de Estado? Dado que as legislações peculiares das
polícias e Corpos de Bombeiros não foram revogadas47, há conflito de competência no que
diz respeito a quem cabe punir militares autores de infrações às normas castrenses. Uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei n. 11.929 já foi protocolada no Supremo
Tribunal Federal, e aguarda-se a decisão da corte magna.
h) Alterar critério de promoção
O baixo grau de institucionalização de procedimentos policiais dentro da corporação
emerge na hora da promoção. São escassos os critérios objetivos que pautem uma análise
isenta do policial a ser promovido. Há casos de delegados de terceiro nível que são
nomeados ilegalmente para Delegacias Regionais, quebrando o princípio da hierarquia.
Também é comum que policiais que atuam em cargos burocráticos serem promovidos às
expensas dos que arriscam suas vidas em atividades operacionais.Tanto é que conta muito
ponto na promoção quem recebeu a medalha de mérito policial, contemplada, muitas vezes,
por motivos em nada relacionados ao desempenho policial.48 Assim como cursos realizados
pelo candidato mesmo que não tenha relação direta com sua atividade como policial.
47 Regulamento Geral da Polícia Civil, Códigos Penal e Processual Militar e Código Disciplinar da PMPE e
CBPMPE.
48 O oferecimento discricionário da medalha pode ser constatado às vésperas de mudança de determinado
Secretário de Segurança Pública. Este brindou a algumas novas delegadas tal galardão.
171
Deste modo, o critério de promoção pelo merecimento é, praticamente, um jogo
político.49 Em 1981, foi criado o Quadro de Delegados Especiais (com 25 vagas) que
passou a existir paralelamente ao quadro de Delegados de 1a, 2a, e 3a. A escolha era de livre
vontade do Governador de Estado. Anos depois, os dois quadros foram unificados. O
critério de promoção (acesso) passou a ser o de merecimento e antiguidade com interstício
de dois em dois anos. Este critério, todavia, vem sendo desrespeitado e o governador
nomeia os delegados a seu bel prazer.
Para os outros níveis ainda sobra o critério da antiguidade. Neste ponto o gargalo
afunila. No nível SP-8 (agente policial) há três mil policiais disputando 40 vagas. Mil e
quinhentos policiais pleiteiam a promoção do nível SP-9 para o SP-10, mas só há 15 vagas.
Some-se a isto, os baixos salários e temos uma força desmotivada quanto a perspectiva de
ascensão profissional e salarial, diminuindo sua lealdade para com a instituição.
i) Interiorização da Polícia
A Polícia Civil deveria ser do Estado de Pernambuco e não apenas da Região
Metropolitana do Recife e, generosamente, da Zona da Mata. É preciso inaugurar
delegacias de plantão no interior bem como unidades de Polícia Científica e Corregedorias.
A atuação do conjunto de delegacias especializadas não vai, praticamente, além da Região
Metropolitana do Recife, que é o limite de atuação da Diretoria Executiva de Polícia
Especializada, órgão que as subordina.
O descaso com os Departamentos Regionais de Polícia é tão grande que vários
delegados municipais cumprem escala de plantão, sem perceber qualquer tipo de
49 No jargão policial, é o critério do QI, ou seja, quem indica.
172
remuneração. Pelo contrário, estão pagando para trabalhar, face às despesas com
deslocamento. A regulamentação das delegacias de plantão dos Departamentos Regionais
de Polícia ficou de ser concretizada pela direção da Polícia Civil, após negociação salarial,
em 2001, com os delegados.
A mesma negligência atinge a Polícia Técnica-Científica. Conforme denúncia do
Presidente da Associação Pernambucana de Medicina e Odontologia Legal (Apemol),
Railton Bezerra de Melo, em Caruaru “não existe uma estrutura de Instituto Médico Legal,
mas sim um “arremedo” de IML, onde esta repartição não funciona num só local, sendo
fragmentada em vários sítios, desta forma as perícias necroscópicas são realizadas no
Hospital Regional do Agreste, ou no Cemitério, enquanto as Perícias Sexológicas e
Traumatológicas funcionam da Delegacia e Plantão”.50
Ora, os médicos ficam impossibilitados de acompanharem as perícias na qualidade
de perito revisor ou segundo perito. Como as atividades são feitas em lugares separados,
um irá para o cemitério realizar as necrópsias e o outro vai para a delegacia examinar as
lesões corporais. Se as perícias fossem feitas em um só lugar, os médicos poderiam assinar
o laudo como perito revisor participando, deste modo, diretamente da perícia e não
indiretamente via elaboração do laudo. Convém lembrar que o art. 119 do Código de Ética
de Medicina Legal diz: “É vedado ao médico: Assinar laudos periciais ou de verificação
médico-legal quando não o tenha realizado, ou participado pessoalmente do exame.”
Ainda de acordo com o presidente da Apemol, no IML de Caruaru não é possível o
diagnóstico de intoxicação exógena (envenenamento ou utilização de substância
estupefaciente) porque inexiste laboratório de toxicologia. Caso o médico ache
50 Carta do presidente da Apemol enviada ao Presidente do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco,
em 14 de julho de 2002.
173
indispensável o exame toxicológico terá de entregar as vísceras aos familiares do morto que
as levará à Recife, não havendo, portanto, a custódia do material.
O descaso chega ao ponto das perícias serem guardadas em caixas de papelão. Os
prontuários periciais, que constitui a prova material, não são protegidos sendo passíveis de
subtração e/ou furto.
j) Criação de uma ouvidoria (ombudsman)
Os policiais civis se ressentem de uma instituição que seja capaz de ouvir os seus
reclamos. Os agentes e escrivães não denunciam a ausência dos delegados nas delegacias
com receio de represália do todo poderoso delegado. Por exemplo, serem enviado para uma
delegacia no interior do estado ou não ser indicado para promoção. Pode-se imaginar a
tensão no ambiente de trabalho e como estas rivalidades camufladas conspiram contra a
eficiência da instituição.
Alguns delegados foram afastados de seus cargos por terem afrontado o poder
político local ao adotarem uma postura legalista. Estes delegados também receiam a
punição da cúpula da instituição, que imediatamente os taxam de rebelde. Há uma cultura
de desconfiança e de medo de perseguição dentro da instituição de conseqüências nefastas.
Prevalece a cultura do favor. Por um lado, inibe os delegados que almejam honrar sua
profissão. Por outro, incentiva a formação de grupos que utilizam suas posições dentro da
instituição para alavancar interesses político-partidários.
A Ouvidoria não deveria ser composta apenas por membros da Polícia Civil. Mas,
também, por representantes do Ministério Público, da Assembléia Legislativa e da
sociedade civil organizada.
174
l) Melhorar o Departamento de Recursos Humanos
Com tantos problemas internos, só muito recentemente foi criado um Departamento
de Recursos Humanos (DPRH) que funciona precariamente. Tanto é que só há teste
psicotécnico no momento de entrada na Polícia. Como se não fosse importante reavaliar
emocionalmente para quem a sociedade está entregando uma arma. Além do controle ex
ante deveria haver o controle ex post, pois muitos policiais exercem uma profissão de risco
que costuma deixá-lo estressado.
O DPRH também vem claudicando no tratamento do alcoolismo dentro das fileiras
da Polícia. É comum a prática de policiais serem enviados para o interior como forma de
punição pela ingestão de álcool. Em vez de o policial ter um acompanhamento psicológico
que combata a causa do vício, o problema é transferido para outra região geográfica. É a
ótica da repressão prevalecendo sobre a prevenção também dentro da Polícia.
O descaso para com a vida do policial também pode ser presenciado pelo fato da
instituição não fornecer colete a prova de bala. Foi preciso que a greve das PMs de 1997,
que contou com o apoio da Polícia Civil, para que as autoridades reconhecem a necessidade
de aquisição de coletes. A Secretaria de Defesa Social (SDS) chegou a comprar coletes,
mas a perícia técnica reprovou a qualidade do material. A SDS tentou anular a compra mas
a empresa vendedora não concordou e o caso está sendo resolvido juridicamente. Enquanto
o imbróglio não se resolve, os policiais civis continuaram a trabalhar sem proteção.51
51 Somente no dia 18 de julho de 2001 é que a Secretaria de Defesa Social entregou aos policiais civis coletes
à prova de bala, tecnicamente aprovados.
175
Um detalhe, o seguro de vida do policial só foi conquistado em 1990, fruto de uma
greve. A Polícia não tem estrutura para prestar assistência ao policial ferido. Ao contrário
da Polícia Militar que possui seu hospital, os policiais civis feridos acabam em hospitais
públicos. E mais: a corporação sequer tem noção do número de policiais mortos ou
inválidos. A Polícia Civil não faz uma avaliação médica de seu efetivo para saber o grau de
estresse a que os policiais estão submetidos. A escala de plantão de 24 horas de trabalho
por 72 horas de folga é, frequentemente, usada pelos policiais para fazer o “bico” quando
deveria estar descansando. Isto mostra como o policial é mal remunerado.
A relação entre Polícia e policiais chegou a ponto de vários agentes se recusarem a
dar à Polícia o seu real endereço domiciliar preferindo fornecê-lo ao sindicato ou
associação ao qual está filiado. Estes são os verdadeiros departamentos de recursos
humanos do policial.
A instituição não possui biblioteca com as novidades na área policial nem
assinaturas de revistas especializadas. Não há a devida preocupação na capacitação do
policial, ou seja, treinamento, reciclagem e especialização.
m) Memória institucional
A Polícia não tem praticamente memória institucional. Quem quiser saber dados
sobre quando foi criada a instituição, mudanças no nome, na legislação etc, não encontrará.
A instituição vive para o agora. Obter informações sobre o passado é tarefa hercúlea. Que
exige paciência, pois é preciso contar com a disposição de algum policial da “velha guarda”
que tenha na sua biblioteca particular alguma informação a respeito e tenha a boa vontade
em disponibilizá-la. Esta é uma tônica que se repete: o policial sabe mais que a instituição.
176
Se o indivíduo sabe mais do que a instituição ao qual pertence, é evidente que não se pode
esperar práticas padronizadas desta instituição.
n) Polícia Científica
Retirar do Executivo o controle do Instituto de Polícia Científica, o Instituto de
Identificação e o Instituto de Medicina Legal. Tais institutos devem ficar sob o controle da
secretária de Justiça ou da Universidade. Tais institutos devem ser descentralizados o que
implica na criação de novas unidades no interior do Estado. Evitaria que policiais tivessem
que se deslocar à capital para realizar suas investigações.
Centralizar as atividades periciais nas esferas estadual, distrital e federal, de modo a
sistematizar eventuais desdobramentos técnicos que ensejem envolvimento de novas
equipes e perícias; promover sua vinculação tecnológica às universidades, sem delas
tornarem-se reféns e definir uma legislação orgânica federal capaz de homogeneizar suas
nomenclaturas e metodologias funcionais.
Transformar a nomenclatura do Cargo Datiloscopista para de Perito Papiloscópico
Policial, passando a categoria a integrar o quadro de carreira de Nível Universitário do
Serviço Público do Estado, como já ocorre em outros estados da federação que
reconhecendo a similitude de atribuições e comportamento entre Datiloscopistas Policiais e
Peritos Criminais.
A exemplo da Província de Corrientes (Argentina), criar a Faculdade de
Criminologia, com cursos de especialização nas áreas de acidentologia, balística,
documentologia, fotografia forense, papiloscopia etc.
177
o) Política partidária
Devem ser inelegíveis a cargo político-partidário, policiais que tenham exercido
cargos de comando por no mínimo um ano. Esta quarentena deveria ser de quatro anos. Ou
seja, evitar coincidir o período da saída do policial do cargo e o mandato eleitoral. O
policial eleito para Assembléia Legislativa ou Câmara de Vereadores ficará
automaticamente afastado de sua função policial.
A Polícia Civil tem ser revelado verdadeiro trampolim para policiais conquistarem
mandatos eletivos. Trabalham, freqüentemente, muito mais por suas carreiras do que pela
polícia. Os policiais eleitos embora se apresentem como policiais ao eleitor, julga que sua
vitória foi fruto de seu esforço particular. Por isso mesmo, não se sente comprometido a
representar primordialmente a instituição.
Como vimos, o sucesso da reforma policial passa pela sua capacidade de melhorar
quatro variáveis interelacionadas: independência; responsividade; eficiência, e acesso. 52
Uma polícia democrática deve ser cada vez mais independente de interesses políticopartidário.
É preciso que os vitimados e vitimadores, percebam a atividade apuratória como
sendo isenta para que possam respeitar suas conclusões. Deve-se, todavia, tomar cuidado
para que esta independência não transforme a polícia em uma burocracia insulada da
sociedade, desenvolvendo seus interesses corporativos.
Como a Polícia Civil também é a Policia Judiciária do Estado, sua maior capacidade
de atender a demanda da sociedade requer não apenas aquisição de novas viaturas,
contratação de mais policiais, melhor treinamento etc. Envolve também um Judiciário ágil,
178
um Ministério Público atuante e um Legislativo que aprove leis penais modernas. Várias de
nossas leis, como o Código Penal de 1940, concebido quando o País ainda não havia se
urbanizado, apenas tratam de delitos convencionais praticados por bandidos comuns. Não
esquecendo os vários crimes que ficam impunes, mercê das brechas encontradas na lei
pelos advogados.
Chama atenção o fato de se uma pessoa confessar o assassinato de outra numa
delegacia de polícia, será liberado pelo delegado caso a Justiça não tenha expedido o
mandado de prisão preventiva e não fosse preso em flagrante delito. Quando o delegado
solicitar ao juiz o mandato de prisão, o suspeito evade-se do distrito da culpa. E mais: caso
não tenha antecedentes criminais e comprovasse endereço fixo, poderia aguardar
julgamento em liberdade. Como alguns julgamentos são cartas marcadas, alguns homicidas
já fazem sua análise de custo e benefício. Matam, fogem para livrar o flagrante,
apresentam-se no outro dia com seu advogado. Fica livre até o dia do julgamento e aí tem
grandes chances de ser inocentado...
Pouco adianta ter uma Polícia moderna sem antes tipificar certos crimes
intensificados com o processo de industrialização, como o seqüestro-relâmpago e o
narcotráfico, cometido por quadrilhas administradas com padrões gerenciais. Nem tão
pouco prender, condenar exemplarmente, mas permitir que condenados saiam do presídio
com poucos anos de pena cumprida.
Imagine-se que a reforma policial consiga tornar a Polícia mais independente, mais
responsiva e mais eficiente Todos estes esforços podem ser debalde se não for garantido ao
cidadão comum maior acesso aos serviços policiais. Isto perpassa mudanças amplas nas
condições sócio-econômicas do país que evite a contumaz violação de direitos civis de boa
52 Inspirei-me na análise de Prillaman (2000) sobre reforma judicial.
179
parte da população, É preciso, também, uma decisão política no sentido do Estado combater
à corrupção em todos os níveis, inclusive o policial. É este mesmo fragilizado cidadão que
terá menos condições de enfrentar a fraude policial. A corrupção afeta não apenas o acesso,
mas também a independência da Polícia e sua eficiência. Portanto, tais variáveis devem ser
contempladas conjuntamente em vez de isoladamente. Isto mostra quão difícil é conseguir
o êxito numa reforma policial no Brasil e, particularmente, em Pernambuco.
176
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